A Via Francígena e o Caminho de Santiago destacam-se como duas das rotas de peregrinação mais emblemáticas da Europa, com séculos de história e tradição espiritual por detrás. Ambas foram percorridas por milhões de peregrinos ao longo dos anos, tornando-se não apenas trajetos de fé, mas também símbolos importantes do património cultural e humano europeu.

A Via Francígena tem as suas origens na Idade Média como um caminho que ligava Canterbury, no Reino Unido, a Roma, a sede da cristandade ocidental. Por sua vez, o Caminho de Santiago, cujo destino é a catedral de Santiago de Compostela na Galiza, consolidou-se como uma das rotas mais importantes do cristianismo medieval.

 

O que é a Via Francígena?

A Via Francígena é uma das rotas de peregrinação mais antigas e significativas da Europa. 

Liga Canterbury (Reino Unido) a Roma (Itália), dois dos epicentros mais importantes da cristandade. O seu nome tem origem no latim medieval e significa “Caminho dos Francos”. O motivo é que, originalmente, era utilizada por peregrinos do norte da Europa que se dirigiam à Cidade Eterna, o coração do mundo cristão durante a Idade Média.

A sua origem remonta ao século IX, quando começou a consolidar-se como uma das principais rotas para os peregrinos que buscavam chegar a Roma, onde se encontra o túmulo de São Pedro. Foi utilizada tanto por fiéis devotos como por comerciantes e viajantes, tendo sido considerada uma via de comunicação essencial entre o norte e o sul da Europa.

A importância histórica da rota foi documentada graças a Sigerico, o arcebispo de Canterbury. Este homem fez um registo detalhado da sua viagem de regresso a Inglaterra após visitar Roma para receber o pálio do Papa no 990 d.C.

 

Principais etapas e pontos-chave da rota

A Via Francígena percorre aproximadamente 2.000 quilómetros através de Inglaterra, França, Suíça e Itália. Atravessa paisagens diversas que vão desde as verdes campinas inglesas até aos impressionantes Alpes e os vales italianos. Entre os pontos-chave da rota destacam-se:

  • Canterbury (Reino Unido): ponto de partida da Via Francígena, famosa pela sua catedral gótica, um local declarado Património da Humanidade.

 

  • Calais e Arras (França): zonas de passagem em território francês, onde os peregrinos gozavam da hospitalidade em mosteiros e pequenas comunidades.

 

  • Paso do Grande São Bernardo (Suíça): um dos trechos mais espetaculares, onde os peregrinos cruzavam os Alpes. Aqui encontra-se o famoso hospício fundado por São Bernardo no século XI.

 

  • Vercelli e Pavia (Itália): cidades-chave no trecho italiano, conhecidas pelos seus monumentos históricos, como a Basílica de São André em Vercelli.

 

  • Roma (Itália): o destino final, onde os peregrinos concluíam a sua viagem na Basílica de São Pedro, o centro espiritual do cristianismo.

 

Esta via foi reconhecida como Itinerário Cultural Europeu pelo Conselho da Europa em 1994. Este reconhecimento valoriza a importância da rota como um elo entre culturas e tradições. Além disso, destaca a sua relevância na promoção do turismo sustentável e na conservação do património.

 

Conexão entre a Via Francígena e o Caminho de Santiago

A Via Francígena e o Caminho de Santiago estão ligados de uma forma mais profunda do que poderia parecer à primeira vista. 

Ambas são rotas internacionais de peregrinação que partilham uma essência comum: serem caminhos de transformação espiritual, encontro cultural e legado histórico que têm perdurado ao longo dos séculos. Enquanto a Via Francígena leva ao coração do cristianismo em Roma, o Caminho de Santiago guia os peregrinos até ao túmulo do apóstolo Santiago na Galiza. No entanto, o seu vínculo transcende os meros destinos.
Historicamente, estas duas rotas serviram como eixos principais da cristandade europeia. Durante a Idade Média, as peregrinações a Santiago de Compostela e a Roma representavam, juntamente com Jerusalém, os três grandes destinos espirituais do mundo cristão. 

Muitas vezes, os peregrinos empreendiam uma viagem que abrangia ambas as rotas, consolidando um laço geográfico e espiritual entre elas. Assim, por exemplo, aqueles que chegavam a Santiago pelo Caminho Francês poderiam posteriormente continuar a sua viagem até Roma, passando por trechos que hoje fazem parte da Via Francígena.

Este cruzamento de caminhos tem-se mantido vivo nos séculos posteriores. Por exemplo, o início do Caminho desde Ferrol é um claro testemunho da conexão marítima entre os peregrinos do norte da Europa e a Península Ibérica. Este trecho era frequentado por aqueles que desembarcavam na Galiza após percorrerem a Via Francígena desde Canterbury. 

 

Conexão a nível espiritual

A nível espiritual, as duas rotas compartilham uma filosofia semelhante: a peregrinação como um meio de introspeção, encontro e conexão com o divino. Ambas oferecem aos caminhantes uma oportunidade única de se reconectarem com as suas raízes culturais e espirituais, estabelecendo um vínculo profundo com a alma e um propósito transcendental na sua jornada.

O Caminho, especialmente nos seus trechos finais, como a rota de Santiago a Finisterre, complementa perfeitamente o simbolismo da Via Francígena. 

Finisterre, conhecida como o “fim da terra”, convida a uma introspeção única que não apenas marca o encerramento de uma peregrinação, mas também o início de uma nova etapa na vida do peregrino. Algo semelhante ocorre com muitos ao chegarem a Roma após percorrerem os Alpes e a Toscana na Via Francígena.

 

Vinculação cultural

Em termos práticos, estas rotas também compartilham um compromisso com a conservação do património cultural e humano europeu. Ambas foram reconhecidas como Itinerários Culturais Europeus e contribuíram significativamente para a promoção de um turismo sustentável, ligado às tradições locais e ao respeito pelo ambiente natural.

Para aqueles que desejam experienciar ambas as rotas, uma opção interessante poderia ser começar pelo Caminho Primitivo desde Asturias. Esta rota é conhecida pela sua beleza natural e histórica. Alternativamente, o percurso pelo Caminho Inglês também oferece uma transição natural para a rota europeia. 

Dessa forma, percorrer tanto a Via Francígena quanto o Caminho de Santiago não é apenas uma experiência única, mas também uma homenagem ao legado cultural e espiritual que conecta o norte e o sul da Europa há mais de mil anos.

 

E que dificuldade têm?

Em ambos os casos, a dificuldade varia de acordo com o trecho escolhido

A Via Francígena, com os seus 2.000 km, inclui desafios como a travessia dos Alpes no Paso do Grande São Bernardo, o que a torna mais exigente fisicamente em alguns pontos. Se estiver à procura de informações sobre O Cebreiro até Santiago, verá que a distância é menor e mais acessível.

 

Existe algum tipo de credencial dupla?

Não. São duas peregrinações com ligação simbólica, mas não existe nenhum tipo de acreditação conjunta, tal como acontece com o Kumano Kodo.

 

Por que realizar a Via Francígena como complemento ao Caminho de Santiago?

Percorrer tanto a Via Francígena quanto o Caminho de Santiago proporciona aos peregrinos uma experiência única de imersão nas culturas europeias. Embora ambas compartilhem uma base espiritual comum, as diferenças em paisagens, gastronomia e tradições são notáveis.

  • Na Via Francígena, os peregrinos desfrutam dos Alpes suíços, dos vinhedos italianos e das cidades históricas da Toscana. Tudo isso, enquanto experimentam pratos como massa com trufa e queijos locais.

 

  • No Caminho de Santiago, os caminhantes atravessam as paisagens verdes da Galiza, apreciam o polvo à galega e exploram tradições locais em aldeias que parecem enclavadas no tempo.

 

Essas diferenças enriquecem a experiência, permitindo aos peregrinos descobrir a diversidade cultural da Europa.

 

A riqueza espiritual e cultural de combinar ambas as rotas

Ambas as rotas oferecem uma oportunidade única de conectar-se com a história, a fé e a natureza, mas cada uma traz nuances distintas. 

Enquanto o Caminho de Santiago se centra na figura do apóstolo Santiago e na espiritualidade jacobeia, a Via Francígena convida os peregrinos a mergulharem na história da cristandade romana. Combiná-las permite viver uma experiência mais completa e significativa, onde os principais marcos da espiritualidade cristã se entrelaçam.

 

Recomendações para peregrinos que querem experimentar as duas rotas

Percorrer tanto a Via Francígena quanto o Caminho de Santiago na mesma viagem é um desafio emocionante que exige planejamento e compromisso. A seguir, oferecemos algumas recomendações importantes para que aproveite ao máximo esta experiência única:

Planejamento detalhado das etapas

Divida o seu percurso em trechos realistas de acordo com sua experiência física e o tempo disponível. Uma opção ideal é começar em Ferrol, o que permitirá chegar a Santiago em poucos dias e, em seguida, direcionar seus esforços para os primeiros trechos da Via Francígena, como de Canterbury até Calais. 

 

Considere a logística da viagem

Planejar como se deslocará entre as rotas é essencial. Desde Santiago, é possível viajar para a França ou a Itália de trem ou avião para se juntar à Via Francígena. Investigue os serviços de transporte e alojamento nos pontos-chave de conexão, como arredores de Roma ou os Alpes. Contratar serviços de apoio logístico, como transporte de bagagem ou tours organizados, pode simplificar o processo.

 

Preparação física e mental

Cada rota apresenta desafios distintos. Enquanto o Caminho de Santiago inclui etapas com inclinações moderadas, a Via Francígena exige mais resistência em determinados trechos. É importante treinar antecipadamente e levar o equipamento adequado, incluindo calçado confortável e roupas versáteis para diferentes climas.